
A Geometria Sensível de Garrot
Na década de 80, quando começou a expor
seus trabalhos, Marcos Garrot já mostrava forte tendência
a valorizar a técnica e os rigores formal e colorístico
em sua obra plástica. Nesse período, a determinação
no sentido de adotar padrões exigentes voltava-se
para a pintura e o desenho figurativos.
Na seqüência, desenvolveu uma série de
pinturas de figuras humanas em duas vertentes distintas.
A primeira é constituída por retratos nos
quais procura reproduzir com grande fidelidade fisionômica
seus modelos. Na segunda, agrega à realidade outros
valores adentrando ora o domínio do simbólico,
ora o do surrealista e do onírico. Em ambas, nota-se
a vontade de realizar uma arte controlada, que não
depende do acaso, do fortuito, do contingente.
Artista inquieto, com interesse paralelo pelo design, Marcos
Garrot iniciou, na segunda metade dos anos 90, uma pesquisa
com formas geométricas em metais, madeira, PVC e
outros materiais que o levaria à fase atual em que
trabalha sobretudo com o ferro e o aço. Esta fase
apresenta três linhas de desenvolvimento: Formas,
Sobreformas e Esculturas.
Para a criação dessas obras, Garrot utiliza-se
basicamente do módulo, que ele projeta e é
realizado em indústria metalúrgica. Quando
ele o cria, já tem algumas idéias de utilização,
de posicionamentos. Mas as obras só são concretizadas
após a reflexão demorada no ambiente do ateliê,
em seguida à experimentação cuidadosa
das várias possibilidades de combinação
das unidades modulares, da maneira de soldá-las do
lado oposto ou de sua fixação em um suporte.
Na série “Formas”, os módulos
são arranjados de maneira a dar origem a conjuntos
apresentados com ou sem pintura. Em alguns casos, a obra
resulta de uma única chapa. Quando a pintura existe,
ela ocupa toda a peça ou área resultante da
dobragem, privilegiando sobretudo a forma. Já na
série “Sobreformas”, a pintura divide
geometricamente planos formados pelas dobras ampliando significativamente
o repertório formal da peça, que passa a contar
tanto com formas resultantes dos volumes como das formas
engendradas pela pintura. A interação entre
elas dá origem a geometrias inusitadas, que se modificam
de acordo com o ângulo de observação
e com a incidência dos raios luminosos. Os trabalhos
dessas séries apresentam-se como relevos, peças
de parede. Quando elas têm uma base, destinando-se
ao chão e podendo conseqüentemente serem observadas
de todos os lados, caracterizam-se como esculturas. Os trabalhos
da série “Formas” são mais apolíneos,
sóbrios, enquanto os da série “Sobreformas”,
mais dinâmicos, dionisíacos.
Garrot não realiza geralmente uma escultura de corte-e-dobra,
como Sacilotto e Amílcar de Castro; a estrutura modular
de sua obra aproxima-a mais da poética de Athos Bulcão.
A partir do módulo, que é uma peça
múltipla, o artista almeja ao uno, que é a
obra acabada.
A obra de Garrot situa-se basicamente no campo concreto,
mas diferencia-se da de alguns concretistas históricos
brasileiros na medida em que, como regra, não lança
mão do corte interno da chapa, mas apenas do externo
e da dobra. Este procedimento é quase inexistente
na obra escultórica dos concretistas que também,
quando pintam a obra, a pintam com uma única cor,
sendo as diferenças de tonalidade resultantes da
incidência da luz. Mas Garrot não abusa da
cor, o que poderia ser perigoso. Na maioria das vezes, sua
estrutura colorística é binária. Em
alguns casos a chapa não recebe nenhuma tinta, como
é o caso de algumas peças em aço inox
escovado, de uma beleza à flor do metal.
A obra atual de Marcos Garrot assegura-lhe um lugar significativo
entre os construtivistas brasileiros, que constituem um
dos mais sólidos e competentes grupos de criadores
do país.
Texto de: Enock Sacramento, Crítico de Arte